Cinema em Pauta: A dualidade de ‘One Love’ e a consagração do independente ‘Pillion’ em Londres

Cinema em Pauta: A dualidade de ‘One Love’ e a consagração do independente ‘Pillion’ em Londres

1 Dezembro 2025 Não Por Amanda Oliveira

A chegada de Bob Marley: One Love aos cinemas traz consigo a inevitável expectativa de revisitar o auge do maior ídolo do reggae mundial. A produção se sustenta como uma obra competente, capaz de garantir duas horas de entretenimento válido, apoiada em uma trilha sonora que, indiscutivelmente, envolve o espectador. O protagonista entrega uma interpretação sólida, capturando os trejeitos e a essência magnética do cantor, enquanto a narrativa flui bem ao alternar entre o passado e o presente. No entanto, embora o filme cumpra seu papel de apresentar o mito, a execução do roteiro opta por uma receita segura, sem grandes ousadias artísticas. A narrativa, apesar de correta, não chega a alterar a frequência cardíaca ou provocar lágrimas, mantendo-se em uma zona de conforto convencional que, se não compromete, também não arrebata.

Contradições e o apagamento de tensões sociais

Há aspectos na obra que merecem um olhar mais crítico, especialmente na forma como atenuam questões fundamentais da trajetória de Marley. A presença da maconha, onipresente na tela através de grandes cigarros, surge quase desprovida de seu contexto político e social. A fumaça constante acaba por anestesiar o espectador quanto ao fato de que a erva continua sendo um tabu, proibida e frequentemente utilizada como justificativa para políticas repressivas letais contra populações marginalizadas. O filme parece esquecer que o próprio Marley abordou os bloqueios policiais e a perseguição sistêmica, transformando o uso da substância em um elemento estético inofensivo que não questiona a realidade.

Outro ponto que salta aos olhos é a representação de Rita Marley. Em uma passagem significativa ambientada em Paris, uma discussão expõe a ingratidão que muitas vezes acompanha a fama. Rita desabafa sobre o peso de carregar a família, cuidar das finanças e servir de esteio emocional — além de atuar como backing vocal — enquanto o astro se incomoda com ciúmes infundados. A cena ressalta o quanto ela foi fundamental para a glória do marido, embora o filme não se aprofunde o suficiente, omitindo até mesmo o fato de ela ter sido baleada na cabeça em um atentado contra ele. Ademais, o desfecho do longa trata de forma apressada o histórico aperto de mão entre opositores políticos jamaicanos, sem contextualizar devidamente quem eram aquelas figuras, e retrata a recusa de Marley ao tratamento do câncer de uma forma que, aos olhos contemporâneos pós-pandemia, soa como um negacionismo inaceitável. Em suma, é uma produção que agrada, mas que entrega mais música do que a rebeldia prometida.

O triunfo de ‘Pillion’ no British Independent Film Awards

Enquanto as cinebiografias comerciais dominam as salas de exibição globais, o cenário independente celebrou suas próprias vitórias em Londres. O filme de estreia de Harry Lighton, Pillion, foi o grande destaque da noite no British Independent Film Awards (BIFA), levando para casa quatro estatuetas, incluindo a de Melhor Filme Independente Britânico. A obra narra a história de um motociclista carismático que entra na vida de um jovem tímido, com atuações centrais de Alexander Skarsgård e Harry Melling. Além do prêmio principal, entregue por Celia Imrie, Lighton foi agraciado com o prêmio de Melhor Roteirista Estreante, e a produção ainda garantiu vitórias nas categorias técnicas de Melhor Figurino e Melhor Maquiagem e Cabelo.

Diversidade e reconhecimento da indústria

A cerimônia também consagrou outros talentos emergentes e estabelecidos. Akinola Davies Jr. conquistou o prêmio de Melhor Direção por seu primeiro longa, My Father’s Shadow. Já a dupla Tom Basden e Tim Key venceu em Melhor Roteiro e Melhor Performance Conjunta por The Ballad of Wallis Island, um drama musical sobre um músico folk decadente. Nas categorias de atuação, Robert Aramayo levou o prêmio de Melhor Performance Principal por I Swear, enquanto Jay Lycurgo garantiu o prêmio de Melhor Performance Coadjuvante por seu papel em Steve. O prêmio Douglas Hickox de Melhor Diretor Estreante foi para Cal McMau por Wasteman, e Dhiraj Mahey foi reconhecido como Produtor Revelação pelo filme Ish.

Por fim, o júri destacou a trajetória da Warp Films, que há quase 25 anos se mantém como uma das principais produtoras de cinema e TV no Reino Unido. Em comunicado, os jurados exaltaram o compromisso da empresa em contar histórias “cruas e relevantes”, citando clássicos como Dead Man’s Shoes e This Is England. Segundo o júri, a produtora prova continuamente que existe uma fome genuína do público por narrativas que apresentem a verdade sem verniz, uma característica essencial que define a força do cinema independente britânico premiado nesta edição.